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O que está por trás do aumento dos preços de combustíveis?

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Nesta semana, os protestos protagonizados pelos caminhoneiros em função dos recorrentes aumentos dos preços dos combustíveis tem tomado conta do noticiário no Brasil. De fato, nos últimos meses, os preços dos derivados vendidos pela Petrobras cresceram de forma intensa e contínua. Desde 20 de fevereiro, o preço da gasolina vendido pelas refinarias da Petrobras aumentou 35% saindo de 1,52 real o litro para 2,04 reais o litro. Somente no último mês, o aumento foi de 19%. Cabe ressaltar que, nesse período, não houve nenhuma mudança estrutural na cadeia produtiva dos derivados de combustíveis (variações nas alíquotas dos impostos ou significativas alterações nas margens dos distribuidores e postos), o que torna muito frágil a tese que enxerga os aumentos dos combustíveis como decorrência dos impostos e dos carteis dos postos. Nesse sentido, a questão central a ser debatida é a atual política de preços da Petrobras e seus efeitos para a empresa e para os consumidores. Em primeiro lugar, é importante entender que a cadeia de produção do petróleo é bastante oligopolizada nos segmentos de produção, refino e distribuição e, por isso, a formação dos seus preços não obedece somente à lógica da microeconomia clássica de equilíbrio entre oferta e demanda. Como lembra recente texto de Rubens Sawaya, professor da PUC-SP, “o debate sobre os preços deve tomar o capital como seu nexo central, resultado de sua forma de organização. As empresas (...) são entidades que pensam, planejam e atuam segundo táticas e estratégias muito bem elaboradas, com o objetivo de abocanhar o máximo possível da riqueza (...). Seus métodos de definição de preço seguem estratégias específicas. Como também apontava Kalecki, o mais normal são as grandes empresas operarem com custos marginais constantes, se não decrescente, podendo ofertar qualquer quantidade no mercado sem qualquer alteração do custo unitário”. Esses aspectos também devem ser observados na determinação do preço, ainda mais por se tratar de um setor oligopolizado dominado por empresas gigantescas e com amplo poder de marcação de preços. Em segundo lugar, a variação de preços no setor petróleo está relacionado a um conjunto de fatores geopolíticos, como conflitos entre os maiores produtores, embargos realizados pelos grandes consumidores, entre outros. Ou seja, um embargo realizado pelos Estados Unidos ao Irã pode afetar o preço do petróleo no mercado internacional. Em uma economia aberta e onde há escassez da produção de derivados de petróleo, a política de preços para esse segmento apresenta poucas alternativas. Como essas economias são dependentes das importações de gasolina, diesel etc., o preço doméstico dos derivados obrigatoriamente acaba seguindo os internacionais. Como eles são obrigados a comprar os derivados pelo preço internacional do petróleo, as variações internas obrigatoriamente incorporam para as variações ocorridas no mercado internacional. No entanto, os países (como o Brasil) que apresentam uma ampla capacidade de produção de derivados não necessitariam recorrer às importações de derivados para abastecer seus mercados. Com isso, os preços podem responder muito mais à estrutura de custos e receitas das empresas produtoras dos combustíveis do que à variação do preço internacional. No caso brasileiro, essa relação causal entre preço e custos é ainda maior porque o País tem autossuficiência na produção de petróleo cru, ou seja, o Brasil tem uma demanda marginal de importação de petróleo cru para atender a demanda do parque nacional do refino. Desse modo, a formação dos preços deve estar mais relacionada à capacidade de cobrir os custos variáveis das empresas e gerar um excedente do que aos movimentos dos preços internacionais. Entre 2013 e 2017, a empresa reduziu o volume de produção de derivados em mais de 300 mil barris/dia, saindo de 2.124 mil barris/dia para 1.800 barris/dia. Nesse período, o consumo de derivados ficou relativamente estável na casa dos 2.400 mil barris/dia. Com isso, enquanto em 2013 a Petrobras tinha capacidade de atender cerca de 90% da demanda interna de combustíveis, em 2017 esse percentual caiu para 76%, num cenário em que a empresa ampliou seu parque de refino (saiu de 2060 mil barris/dia para 2350 barris/dia). Ou seja, mantida a utilização das refinarias, a Petrobras seria capaz de ofertar ao mercado nacional quase toda a demanda de derivados sem necessitar das importações. No entanto, a opção da companhia tem sido subutilizar suas refinarias e favorecer a entrada dos importadores. Em 2013, a Petrobras utilizava praticamente 100% do seu parque de refino e, em 2017, esse percentual caiu para 76%. Com isso, uma parcela substancial do mercado interno tem sido suprida com importações. Com a enxurrada de importações (que já detém por 24% do mercado interno), a Petrobras fica refém de uma política de preço atrelada ao mercado externo. Isso porque, caso a empresa decida controlar os preços, os importadores sairão do jogo e a Petrobras terá de arcar sozinha com o diferencial de preços praticados no mercado doméstico e no exterior. É evidente que, dado o custo de oportunidade existente em economias abertas, não é possível praticar durante um longo período um preço doméstico tão distante do mercado externo. Todavia, o maior uso do parque de refino daria graus de flexibilidade temporais e de intensidade para o reajuste dos preços. Não resta dúvida que a atual política de preços da Petrobras tem gerado, por um lado, uma redução do papel da Petrobras no mercado de derivados e no refino e, por outro, tem potencializado o aumento da entrada e expansão de players internacionais. Isso ocorre em virtude da manutenção a “qualquer custo” do preço de paridade internacional mesmo que isso implique a redução das margens de refino (bruta e líquida) com a perda de mercado. O que causa enorme estranheza é que a Petrobras abdicou de sua posição de price maker (formador de preço) – que lhe possibilitava mantém maiores margens - para adotar uma posição de price taker (tomador de preço) num mercado claramente oligopolizado. A questão, portanto, não está na política de preços strictu sensu, mas sim na política adotada para o refino como um todo. Por fim, cabe lembrar que essa política de subutilização do refino, combinada com a política de paridade do preços,visa facilitar a venda desses ativos para as empresas estrangeiras, tornando o mercado de petróleo nacional ainda mais dependente do mercado e do preço internacional. ---------------- Artigo publicado no site Carta Capital. *Rodrigo Leão é mestre em desenvolvimento econômico (IE/UNICAMP). Atualmente, é diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP) e pesquisador visitante do NEC-UFBA. *Eduardo Costa Pinto é professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP)