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Golpe

A safadeza dos descontos de bancos e financeiras contra aposentados

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Após a safadeza do INSS, a safadeza dos bancos. Investigação da competente Amanda Rossi, no UOL, mostra que bancos privados fizeram débitos automáticos de aposentados sem autorização para os descontos, atropelando regras do Banco Central. No caso da fraude do INSS, associações e sindicatos eram beneficiados. Com os bancos, foram clubes de benefícios e empresas financeiras.

Mas não esperem a mesma gritaria que, de forma muito justa, rolou contra o INSS e o poder público. Na tentativa de defender que o Estado é sempre a grande desgraça e o setor privado nunca erra, muita gente passa pano ou fica calada. No afã de defender uma posição ideológica, ignoram propositalmente que tanto o setor público quanto o privado podem ser palcos de crimes e sacanagens porque são feitos da mesma matéria-prima: seres humanos.

A comparação dos casos é válida. Aposentados e pensionistas, muitos com rendas que mal cobrem remédios e alimentação, estão sendo sistematicamente saqueados por débitos automáticos ilegais, irmãos daqueles descontos indevidos pelo órgão gestor da Previdência Social.

A reportagem apontou o Bradesco como a instituição com o maior número de casos de acordo com uma análise dos processos no Poder Judiciário, e um número menor envolvendo o Itaú e o Santander. O levantamento não identificou casos judiciais envolvendo Caixa e Banco do Brasil.

Desde 2021, o Banco Central permite que os bancos não precisam da autorização do cliente para o débito automático apenas quando a cobrança vier de outra instituição financeira que seja autorizada pelo órgão. Uma regra que coloca em risco a saúde financeira dos cidadãos. Mas o Bradesco foi além e debitou mesmo de quem não tinha autorização do BC.

Os bancos brasileiros, onde o débito automático é feito são parte em vários processos, inclusive tendo sido condenados. Como empresas não se questionaram diante da quantidade de casos e por que elas não começaram por contra própria uma checagem juntos aos clientes? Pelo contrário, continuaram permitindo que aposentados e pensionistas tivessem seus benefícios saqueados por um esquema que existe porque eles, os bancos, decidiram fazer a egípcia. Isso não é "falha do sistema". É conivência.

Os golpistas por trás desses descontos ilegais só agem porque encontram portas abertas. Os bancos, que deveriam ser os guardiões do dinheiro de seus clientes, mantêm sistemas frágeis de verificação, permitindo que cobranças suspeitas sejam debitadas sem questionamento.

Bancos dizem que enviam comunicações aos clientes, mas de forma digital, ignorando que muitos aposentados são praticamente analfabetos digitais. Por que não implementaram um sistema de confirmação por voz para clientes idosos, por exemplo?

Alegam que não compactuam com qualquer prática ilícita ou abusiva contra o consumidor e jogam a batata quente para o Banco Central ao se escorar em regras relativas ao serviço de débito automático para conta corrente. Elas apontam que, em caso de não reconhecimento desse débito, o cliente deve procurar o banco que originou essa despesa e pedir a suspensão desse pagamento. E brigar com as empresas que debitaram, não com o banco. Novamente, ignorando que o cliente em questão, não raro, não sabe nem onde fica a tal da internet.

A questão é que os bancos sabiam que a sacanagem ocorria usando sua estrutura porque são processados e condenados por conta disso. Ao afirmar que fazem apenas o que pedem as regras do Banco Central, as instituições dizem: "Olha, eu sei que vocês estão sendo tungados debaixo do meu nariz, mas como o governo não me pune se eu não for além do feijão com arroz, se virem nos 30". Ou melhor, nos 60+.

Mas se há tantas ações judiciais contra as mesmas empresas, por que as instituições financeiras não pararam para checar quantos débitos automáticos elas estavam fazendo? Por que não notificaram os clientes para confirmar se as cobranças eram legítimas? Por que não criaram um plano para barrar esse tipo de fraude?

Por que não devolvem o dinheiro sem precisar de processo judicial? Devolver, tal como o governo federal foi pressionado a fazer no caso do INSS. Muita gente crescida no leite de pera acha normal uma devolução pela Previdência Social, pois é um prejuízo coletivizado por toda a sociedade. Mas no caso de bancos privados, isso poderia reduzir os dividendos. Aí, seria o apocalipse.

Os bancos lucram com tarifas e serviços, e o custo de eventualmente indenizar alguns aposentados lesados é insignificante perto do que ganham deixando o sistema vulnerável.

O Banco Central precisa mudar as regras sob o risco de cumplicidade. Multas pesadas, processos criminais contra gestores e até a suspensão temporária do direito de operar débitos automáticos são medidas possíveis contra os bancos.

Quando um cidadão comum comete um atraso no pagamento, enfrenta multas, juros e inclusão em cadastros de inadimplência. No entanto, quando bancos e empresas debitam valores indevidamente de aposentados atendendo a pedidos de picaretas, as consequências são praticamente nulas.

Enquanto não houver consequências reais, eles continuarão fingindo que o problema não existe, e os aposentados seguirão sendo tratados como caixas eletrônicos de bandidos de colarinho branco.

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Leonardo Sakamoto - Jornalista e colunista do UOL

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